A migração do X para o Bluesky | Um exercício de higiene

O mundo digital presencia uma migração do X/Twitter para o Bluesky.

Como viciado em microblogging e profissional de comunicação estratégica, muito me contenta esta debandada do caixote de lixo sem moderação em que o X/Twitter se tornou, nas mãos de um bilionário radicalizado.

Hoje registo a minha resposta aos dois principais argumentos que, creio, são falaciosos, para não sair do Twitter/X.

Os argumentos para não sair do X / Twitter são, essencialmente, dois:

  1. Vamos criar uma câmara de eco no Bluesky, expostos apenas a opiniões semelhantes às nossas;

  2. Ao saírmos, vamos deixar o X / Twitter apenas para os radicais. Precisamos de ficar e combater o ódio com argumentos, no sítio onde toda a gente está (subjacente está a ideia de que o x / antigo twitter é esse sítio).

Bom, vamos por partes como o Jack o Estripador. Estas são as minhas respostas:

  1. Todos os algoritmos, independentemente da rede social, reforçam as nossas crenças. Não existem redes sociais sem câmaras de eco, tal como não existe sociedade sem grupos de afinidade. No mundo não digital, defender barbaridades traz consequências; no ecossistema digital que Musk promove, não existem consequências para o discurso de ódio — aliás, o discurso de ódio é incentivado pelo simples custo de uma subscrição mensal.

    Tornou-se, por isso, o local perfeito para tornar “mainstream” ideias de índole antidemocrática e promover o discurso de ódio.

    Posso dar um exemplo que me chocou: recentemente fiz login e foi-me sugerido pelo algoritmo, no feed, um vídeo de um discurso de Hitler dobrado em inglês através de inteligência artificial.

    Quando um algoritmo nos sugere conteúdo assumidamente neonazi, porque um grupo de pessoas paga para promovê-lo e a plataforma os convida a fazê-lo, então já não estamos a contribuir para debate nenhum. Estamos numa arena assimétrica que promove a propagação do ódio e, por isso, compete-nos esvaziá-la para torná-la insignificante.

    A migração para o Bluesky não existe para estarmos apenas com “os nossos”, mas sim para tentarmos estar num ecossistema que - aparentemente - compreende que podemos não concordar uns com os outros, mas temos de jogar dentro dos mesmos limites (que só são possíveis com políticas de moderação decentes).

  2. É assim que chegamos ao segundo ponto: a ideia de que sair é deixar uma plataforma de agenda-setting refém dos radicais.

    Ora, o x / twitter só consegue o seu “poder” de agenda-setting (política e mediática) — ao ser um townhall que também é o local de eleição para políticos e jornalistas comunicarem e debaterem. É, a meu ver, a mais potente e menos dispendiosa ferramenta de criação de agenda política-mediática dos tempos atuais.

    Se deixar de ser um townhall — ou seja, se não tiver a legitimação necessária pela diversidade de opiniões publicadas —, então deixa de ser relevante para jornalistas e políticos. Pelo menos, para atingir o mainstream ou medir o pulso digital sobre os temas relevantes para noticiar.

    Dessa forma, enquanto utilizadores que testemunhamos a degradação contínua da plataforma de microblogging, ao continuarmos a publicar no X/Twitter estamos a legitimar estruturalmente a colocação do discurso de ódio na agenda político-mediática.

    Ao provocarmos esta migração — apoiados necessariamente por figuras com destaque na opinião publicada, jornalistas e instituições como associações, órgãos políticos e órgãos de comunicação social — estamos a esvaziar o Twitter / X da sua relevância. Sair destrói o poder de legitimação da plataforma e, por consequência, a sua capacidade de agenda-setting mediático e político.

    Ao tornar-se menos relevante para órgãos políticos e de comunicação social, estes terão de migrar para o Bluesky ou fragmentar-se em várias plataformas, sendo agora obrigados a cumprir com políticas de moderação que tornam o debate novamente nivelado pela decência.

Sair do Twitter / X não é - em nada - revolucionário.

Mas é uma ode ao civismo e à higiene, se encararmos a importância mediática-política da plataforma.